O saldo da COP30: Clima, florestas e biodiversidade são indissociáveis
A COP do Clima em Belém levantou grandes expectativas para avanços na implementação de compromisso e metas climáticas pelos países, incluíndo a aprovação do “mapa do caminho” pelo fim dos combustíveis fósseis, já aventado nas edições que precederam a COP30. Membros do Diálogo Florestal avaliam o saldo da conferência e também dos diálogos para além dos acordos diplomáticos.
Em síntese, o resultado das negociações é o Pacote de Belém, conjunto de 16 documentos negociados na COP aprovado no último dia da conferência, incluíndo compromissos para o Objetivo Global de Adaptação, implementando indicadores para medir o progresso dos países em adaptação climática, e fundos de Perdas e Danos e Adaptação, buscando implementar o financiamento climático para essas áreas.
O mapa do caminho não foi aprovado, adiando os compromissos multilaterais para o fim dos combustíveis fósseis e deter o desmatamento e a degradação. Contudo, os avanços resultantes das duas semanas de discussões em Belém são evidentes, mesmo que não estejam contidos documentos oficiais da conferência. Mais de quarenta mil pessoas estiveram na capital paraense, dispostas a contribuir para a implementação de iniciativas pelo equilíbrio do clima.
Beto Mesquita, Diretor de Paisagens Sustentáveis da Conservação Internacional Brasil, integrante do Conselho de Coordenação do Diálogo Florestal e do Fórum Florestal Fluminense, destaca os avanços evidentes na COP30, especialmente nas discussões sobre conservação e restauração das paisagens naturais: “O saldo da COP30 pode parecer negativo para alguns, já que nos documentos oficiais sequer o fim do desmatamento ou dos combustíveis fósseis foi mencionado. Na minha leitura, a COP não é só sobre os documentos oficiais, já há algum tempo muitos avanços foram feitos apesar do que está escrito, do que resta escrito nos documento oficiais”.
Mesquita apresenta três exemplos reforçam essa percepção e sugere como o Diálogo Florestal pode continuar contribuindo na agenda climática: “O primeiro é o destaque que a restauração ecológica teve nas discussões e em dezenas de eventos, seja na zona verde, zona azul e em outros espaços na cidade; essencial para a adaptação e resiliência climática, que claramente já está na ordem do dia, e entendo que o Diálogo Florestal deve também privilegiar, como já tem feito. O segundo é o conjunto de soluções baseadas na natureza associadas ao uso da terra e cobertura do solo, principalmente a importância da redução do desmatamento e dos instrumentos de proteção florestal, e nesse ponto do Diálogo Florestal tem uma responsabilidade muito grande, contribuindo para assegurar a proteção dos remanescentes de vegetação nativa em todos os biomas, atuando no contexto de paisagem. O terceiro exemplo é o lançamento do Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (Tropical Forest Forever Facility – TFFF), que já conta com o apoio de vários países e ganhou tração na COP30, e pode ser uma ferramenta importante para o fim do desmatamento, proteção da vegetação nativa e resiliência climática”.
Florestas, clima e biodiversidade andam juntas
As discussões em Belém também apresentaram ao mundo o conceito de mutirão: um trabalho conjunto, com diálogo e parcerias capazes de ampliar o impacto positivo das ações. Em um cenário global onde as discussões diplomáticas são cada vez mais difíceis, o Brasil pode compartilhar experiências de parcerias firmadas através do diálogo, capaz de conectar atores e ampliar o impacto das ações socioambientais.
As atividades econômicas sustentáveis e certificadas, proteção das populações que vivem e dependem da floresta e desenvolvimento da sociobioeconomia foram apresentadas como soluções já observadas no território brasileiro, mas que precisam ganhar escala. Dezenas de eventos oficiais ou paralelos debateram a contribuição do setor produtivo, sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa para o equilíbrio climático através da conservação da biodiversidade, restauração ecológica e advocacy por políticas públicas socioambientais.
Miriam Prochnow, co-fundadora e coordenadora de políticas públicas da Apremavi e integrante do Fórum Florestal Paraná e Santa Catarina, compartilhou como a agenda de florestas já está contribuindo para o equilíbrio climático, e há muito para avançar nesse caminho: “Sobre os resultados oficiais da COP30, esperávamos mais do que se apresentou. Dada a urgência da crise climática, é preciso mais. A pauta das florestas foi amplamente discutida, como destaque para a implementação do Código Florestal como uma resposta para a mitigação dos efeitos da mudança no clima e para a adaptação.
Prochnow também destaca um exemplo apresentado pela Apremavi: “O Conservador das Araucárias, nosso projeto de restauração em parceria com a Tetra Pak, visa créditos de carbono, mas também é diretamente vinculados à implementação do Código Florestal, colocando em prática a lei de proteção de vegetação nativa. Além disso, muitos espaços na COP mostraram a importância das agendas de Clima e Biodiversidade avançarem juntas, e o Diálogo Florestal tem um papel fundamental para essas discussões”.
As contribuições do Diálogo Florestal
Nas últimas semanas, o Diálogo Florestal trabalhou intensamente para difundir os resultados construídos ao longo dos 20 anos da iniciativa à COP30, que foram apresentados na Carta Aberta do Diálogo Florestal à COP30. Elaborada em conjunto por membros da organização, o texto é dividido em quatro tópicos: A Base do Clima é a Floresta em Pé, mas é preciso muito mais; Populações que Vivem e Dependem da Floresta; Sociobioeconomia e Certificação Florestal; Educação Ambiental e Combate à Desigualdade.
O documento foi direcionado autoridades que trabalham na realização da cúpula climática, entre elas representantes oficiais dos países signatários, autoridades subnacionais, a secretaria da COP além de quem implementa soluções, como representantes da sociedade civil, setor privado, movimentos sociais, povos indígenas, universidades e centros de pesquisa.
Entregas da carta à lideranças e autoridades foram realizadas ao longo das últimas semanas em diversas oportunidades, incluindo:
- A 27ª reunião do Corpo Subsidiário de Aconselhamento Científico, Técnico e Tecnológico (Subsidiary Body on Scientific, Technical and Technological Advice – SBSTTA) no Panamá. Na oportunidade, Fernanda Rodrigues, coordenadora executiva do Diálogo Florestal apresentou o documento para Bráulio Dias e Nadinni Sousa, respectivamente diretor e coordenadora da Diretoria de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA)
- A 61ª reunião do conselho da Organização Internacional da Madeira Tropical (OIMT). Na oportunidade Fernanda Rodrigues apresentou os pontos centrais da carta à Carmem Roseli Menezes, representante do Brasil pela Agência Brasileira de Cooperação – Ministério das Relações Exteriores.
- O Earthshot Summit, realizado na primeira semana de outubro no Rio de Janeiro. Vitor Lauro Zanelatto, da coordenação executiva do Diálogo Florestal, apresentou a carta à Marcele Oliveira, nomeada pela Presidência da República como responsável por coordenar as estratégias de participação da juventude na COP30.
- A COP30, quando Erica Munaro, secretária executiva do Fórum Florestal da Bahia, entregou o documento para Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama; André Guimarães, um dos fundadores do Diálogo Florestal e Enviado Especial da Sociedade Civil para a COP30; Marília Moreira Viotti, que coordena Coordenação-Geral de Recuperação da Vegetação Nativa do MMA; e Ana Euler, Diretora-Executiva de Inovação, Negócios e Transferência de Tecnologia da Embrapa.
Registros das entregas Carta Aberta do Diálogo Florestal à COP30. Crédito: Arquivo Diálogo Florestal.
Simpósio Floresta e Clima: restauração em discussão
Organizado pelo Grupo de Extensão Arara, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), o evento no dia 17 de novembro reuniu dezenas de lideranças. Na oportunidade, foram apresentadas as proposições e contribuições do Diálogo Florestal para a agenda climática, compiladas na Carta Aberta do Diálogo Florestal à COP30. Amanda Fernandes, do grupo ARARA fez a leitura da carta do Diálogo Florestal na abertura do Seminário na parte da tarde.
Entre os palestrantes confirmados estavam Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam; e Neide Suruí, da Kanindé – Associação de defesa etnoambiental, duas organizações-membro do Fórum Florestal da Amazônia. O Diálogo Florestal apoiou a realização do evento, avançando em sua ação estratégica de ampliar a participação das juventudes na iniciativa.
Registros do Simpósio Floresta e Clima. Crédito: Grupo de Extensão Arara.
O saldo da COP na Amazônia pelas vozes da Amazônia
Diante da realização do maior evento sobre clima do mundo na Amazônia, o Fórum Florestal da Amazônia publicou as “Contribuições do Fórum Florestal da Amazônia para agenda climática no contexto da COP30″, síntese dos seus compromissos para atuar de forma integrada e transparente, articulando ciência, políticas públicas, comunidades locais e setores produtivos em prol de uma economia da floresta viva, que una sustentabilidade, inclusão social e justiça climática.
O texto defende a centralidade das florestas como uma das soluções para a mudança no clima; apresenta ações estratégicas concretas realizadas pelo Fórum Regional desde sua criação, em 2021; e convoca toda a sociedade — local, nacional e internacional — a unir esforços para o diálogo e assim garantir o bem viver das atuais e futuras gerações, tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas.
Maria Margarida Ribeiro Da Silva, representante da Cooperativa Mista Agroextrativista Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Rio Arimum, integrante do Conselho de Cooperação do Diálogo Florestal e do Fórum Florestal da Amazônia, destacou a presença massiva e contribuições dos povos indígenas e comunidades tradicionais em Belém, liderando propostas para a garantia das “florestas em pé” e proteção das comunidades: “Mesmo sendo a COP do Clima, as florestas e seus guardiões tiveram destaque nessa COP do Clima. As propostas que foram construídas, principalmente para a garantia dos territórios, segurança e saúde das pessoas da floresta são animadoras, mas precisam ser implementadas; o Diálogo Florestal pode contribuir na mobilização e organização dos atores para transformar essas propostas em mudanças nos territórios”.
Milton Kanashiro, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, relata o destaque das florestas nas discussões oficiais e paralelas durante a COP30: “Apesar do tema estar no contexto das mudanças climáticas de forma indireta, os temas centrais envolvendo florestas foram a restauração florestal, no meio da Década da Restauração – (2021 a 2030), tendo o Brasil um passivo de 5.7 milhões de hectares a serem restaurados somente no Estado do Pará, e 12 milhões de hectares comprometidos nacionalmente”.
Outro ponto destacado por Kanashiro é o Manejo Florestal Sustentável (MFS), principalmente o Manejo Florestal Comunitário e Familiar: “Com um potencial de 37 milhões de hectares e potencial de ampliação, nessas áreas grande parte estão em Unidades de Conservação de Uso Sustentáveis (48%), Projetos de Assentamentos Diferenciados – PDS/PAES (26%) e Assentamentos convencionais – PAS (20%), sendo esses últimos os mais vulneráveis ao desmatamento que a situação anterior e 6% em terras Quilombolas, Títulos Coletivos Privados¹”.
O pesquisador reforça a mensagem do Fórum Florestal da Amazônia para agenda climática no contexto da COP30, em defesa da bioeconomia inclusiva, da sociobiodiversidade e da conservação da diversidade biológica através do uso de boas práticas de manejo dos recursos naturais nos territórios: “O Manejo Florestal Sustentável, executado pela comunidade tradicionais Povos Indígenas, Quilombolas, Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares (PIQCTAF), deveria ser a prioridade como resultado da COP 30, considerando que isto colocaria a floresta e também as pessoas no centro das atenções, direitos humanos e justiça climática”, finaliza.
¹ Espada, ALV; Castilho, A.; Lentini, M.; Kanashiro, M.; Macedo, D. 2025. Manejo Florestal Comunitário e Familiar para o Bem Viver Amazônico e Climático. Bogor, Indonésia: CiFor, Kenya, Nairobi ICRAF. 2025.
Os depoimentos apresentados neste texto são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não refletem, necessariamente, o posicionamento institucional do Diálogo Florestal.
Autoria: Vitor Lauro Zanelatto
Revisão: Fernanda Rodrigues
Foto de capa: (CC) Fernando Donasci/MMA
