A Tecnologia do Diálogo
“O conflito era sempre eminente e, por vezes, acontecia”, lembra Miriam Prochnow sobre a difícil relação entre ambientalistas, movimentos sociais e a indústria de papel e celulose, principalmente, entre os anos de 1990 e 2005.
Motivos não faltavam: os territórios haviam sido ocupados sem nenhum planejamento pelas monoculturas de eucalipto e pinus e muitas fábricas — com tecnologia ultrapassada — espalhavam poluição e mau cheiro a quilômetros de distância.
Os conflitos foram mais acirrados no sul e extremo sul da Bahia e norte do Espírito Santo onde as indústrias eram acusadas de criar um deserto verde em áreas antes ocupadas pela Mata Atlântica. Mas aconteciam também no sul do país e em Santa Catarina, onde Miriam vive e participa da Apremavi.
A primeira reunião aconteceu em 2005, em Teresópolis (RJ). “O clima da primeira reunião não podia ser mais tenso. Ninguém sabia o que esperar. Não tinha como fugir. A reunião durou três dias”, lembra Miriam.
De um lado ficaram os ambientalistas, do outro os representantes das empresas de papel e celulose.
Inspirado na iniciativa internacional The Forest Dialogue, o evento foi planejado e teve mediação profissional. “Isso fez a diferença”, acredita Miriam. As dinâmicas eram sempre em círculo ou em U. “Teve episódio em que as pessoas queriam brigar e a mediação foi importante. Você pode discordar, expor a sua opinião, mas não baixar o nível”. O gelo começou a ser quebrado. As pessoas tinham que conviver por um período longo. E os demorados coffee breaks, chamados de “café com prosa”, ajudaram nessa aproximação.
A Tecnologia do Diálogo
Deu certo. Mesmo com uma certa dose de desconfiança, os dois lados resolveram dar um voto de confiança e buscar uma solução inédita: um processo de diálogo com regras claras e inclusivas. Foi assim que surgiu o Diálogo Florestal e os seus princípios norteadores.
Em 11 anos de existência, o Diálogo Florestal já conseguiu solucionar problemas que pareciam sem solução.
São mais de dez acordos negociados e assinados. Um dos segredos para o sucesso da iniciativa é a busca pelo consenso. Não importa o tempo que demore uma conversa. Os dois ou mais lados tem que concordar com a solução a ser implantada.
O Diálogo Florestal é a instância nacional onde são discutidas as questões de maior abrangência. Além dele já existem 9 fóruns regionais que seguem a mesma metodologia e também são formados por representes de diferentes setores.
Para Miriam, o êxito que o Diálogo tem muito a ver com a diversidade e a contribuição que cada um traz: “Cada setor vem com sua bagagem. Quando eles se reúnem essa bagagem é potencializada e as soluções são muito mais criativas e inovadoras e temos a força de fazer as mudanças que precisam ser feitas.”
“O mínimo que a gente conseguir fazer vai ter um impacto muito grande e, num futuro próximo ou distante, isso fará muito diferença para a implementação do que queremos como desenvolvimento sustentável.”
De campo minado a terreno fértil
Um dos casos de maior sucesso foi o do afastamento dos plantios de eucalipto dos quintais das comunidades e núcleos urbanos, no sul e extreme sul da Bahia. Os plantios eram tão próximos que afetaram o modo de vida das pessoas.
Quem conheceu ou viveu nas regiões localizadas próximas às industrias ou florestas plantadas pode imaginar melhor o que significa. Um longo processo de negociação levou ao afastamento dos plantios em até 500 metros, criando uma faixa que -em muitos lugares — se transformou em áreas de produção de alimentos para as comunidades e para o mercado, gerando renda e segurança alimentar.
“ Ainda temos muito por fazer. Mas avançamos muito e de uma forma consistente. Com a metodologia que construímos temos um caminho e um espaço que permite que tudo seja discutido e colocado às claras na mesa. E todos podem colocar os seus pontos de vista. Isso é essencial para que possamos avançar.”
Inspirando outras iniciativas
O sucesso do Diálogo Florestal vem influenciando outras iniciativas como a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura que reúne mais de 130 empresas, entidades setoriais, organizações da sociedade civil e pesquisadores reúnem suas agendas na busca de consensos, com resultados expressivos. Miriam faz parte do Grupo Orientador da Coalizão. E comemora outras iniciativas como o Diálogo do Uso do Solo.
Solução nativa
“Nós temos as soluções no nosso próprio país. Elas estão espalhadas pelo território. É preciso boa vontade, sentar numa mesma mesa e colocar as possibilidades, firmar compromissos e fazer acontecer isso no Brasil. A fórmula já está dada, cada lugar faz as suas adaptações. Mas já temos uma base que funciona”.
Aspas de Miriam Prochnow
O Diálogo e o diabo
“Eu sempre fui vista como uma guerreira verde. E, apesar de tudo o que já realizamos, existem ambientalistas que dizem que o Diálogo Florestal é o diabo florestal. Eu como participante ou secretária executiva do Diálogo nunca vivenciei nenhum episódio que alguém dissesse pra mim que eu não poderia dizer ou fazer algo”
Osso duro de roer
“Eu fiquei conhecida como “guerrilheira verde” por combater grandes barragens e, por isso mesmo busquei uma aproximação. Mas não rola com as hidrelétricas. Elas sempre tiveram o poder e continuam agindo como se nada tivesse mudado“. Mas o lado guerreiro de Miriam não desiste. Ela espera por uma brecha para tentar novamente.
De braços abertos
“O Brasil criou uma tecnologia de diálogo para ser exportada e isso vem acontecendo. Mas mais do que exportar queremos influenciar internamente o país. Até agora a conversa foi entre setores: sociedade e empresas. Só que tem muita coisa que pra avançar precisa do Governo e das Políticas Públicas. A fórmula está dada e o recado mais importante do Diálogo Florestal para o Governo é: estamos aqui para cooperar, colaborar. Então acorda e aproveita a oportunidade”.