Diálogo do Uso do Solo é realizado pela primeira vez na Amazônia

ago 30, 2019 | LUD, Notícias

O grande desafio na região do Centro de Endemismo Belém (CEB) é desenvolver maneiras de utilizar, sem destruir, o valioso capital natural, e inovar com atividades produtivas capazes de gerar emprego e renda para a população local. Os cerca de 140 municípios do Pará e Maranhão que compõem essa região são caracterizados por baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e altos Índices de Desigualdade (Gini). Ou seja, os desafios são imensos no que diz respeito à necessidade do desenvolvimento de atividades produtivas que aliem a proteção e a recuperação do capital natural.

O Diálogo do Uso do Solo é uma plataforma de participação de múltiplas partes interessadas para reunir conhecimento e liderar processos para possibilitar negócios responsáveis, melhor governança e desenvolvimento inclusivo em paisagens. O Diálogo do Uso do Solo já contou com várias edições ao redor do mundo como no Brasil, Gana, Uganda, República Democrática do Congo e Tanzânia. No Brasil, iniciou em 2016 na região do Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina. São três estágios da iniciativa:

  • Diálogo de Escopo;
  • Diálogos de campo;
  • Workshop de Finalização.

Em Belém nos dias 20 e 21 de agosto de 2019 foi realizado um diálogo de escopo no contexto da iniciativa do Diálogo do Uso do Solo. Participaram da reunião representantes de empresas, organizações da sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa, e a reunião teve como objetivos principais:

  • Definir áreas-chave de concordância e discordância (fracture lines) sobre o uso do solo no CEB e possíveis lacunas de informação;
  • Analisar se as partes interessadas relevantes estão presentes ou se está faltando alguém;
  • Determinar se existe um caminho baseado no diálogo para que as partes interessadas façam progressos significativos para alcançar uma visão comum sobre uso do solo no contexto do CEB.

 A reunião de um dia e meio foi uma incursão inicial para entender o estado da arte e pensar no uso do solo na região do CEB. Também foi um momento importante para escutar, aprender e compartilhar uma ampla gama de conhecimentos e experiências.

Foram abordadas as fases do Diálogo do Uso do Solo, uma plataforma que reúne múltiplas partes interessas em torno de questões-chave de determinada paisagem, indo além de divisões político-administrativas. A iniciativa é um processo social, e não visa substituir processos governamentais de ordenamento do uso do solo.

Com relação aos princípios de operação do diálogo, foi ressaltada a importância da escuta ativa, de empreender esforços para ter um diálogo amplo, construtivo e orientado para soluções, o respeito por outras perspectivas e que não é um ambiente de negociações.

Sobre o Centro de Endemismo Belém (CEB), foram apresentados resultados de um trabalho desenvolvido há anos na região do CEB pela Conservação Internacional Brasil, com foco na região de Tomé-Açu. Foi ressaltada a importância de iniciativas de produção sustentável de palma/dendê e de agroecologia na região. A restauração florestal na Amazônia e na região do CEB é uma necessidade, todavia, foi atentada para importância de mecanismos de monitoramento em campo da restauração florestal.

Dentre as perspectivas das partes interessadas, surgiram como elementos centrais a importância do:

  • Componente de avaliação socioambiental na avaliação de concessão de crédito por instituições financeiras, como inserir elementos de uso do solo em mecanismos de financiamento, trazendo dimensões da agroecologia;
  • Enxergar a cadeia de valor;
  • Somar esforços nos esforços de instituições de ensino e empresas, podendo culminar em publicações e produção científica;
  • Necessidade de profissionais mais preparados para enfrentar os desafios.
  • Considerar que são muitas Amazonias dentro da Amazônia e que resultados consistentes são obtidos ao longo dos anos;
  • Enfrentar o desafio de envolver diversos setores, construindo desde o início algo juntos considerando outras iniciativas que já existem;
  • Trazer para a mesa do diálogo as comunidades e discutir desenvolvimento econômico com sustentabilidade.
  • Construir/conectar redes econômicas de cadeia de valores inclusivas locais;
  • Faltam dados da economia da floresta em pé, por exemplo, não existe um PIB da floresta.
  • Fortalecer/criar políticas que valorizem a floresta e seus produtos, territórios protegidos e comunidades.
  • Melhorar a conversa entre demanda e oferta. Como equalizar esta demanda / oferta é importante. Informações detalhadas são importantes, chegar no nível da propriedade. Trabalhar com a propriedade no contexto da paisagem;
  • Não dá para discutir paisagem só olhando para uma parte dos atores. O importante é olhar a paisagem com os atores que estão no território.

Os grupos discutiram também as questões-chave / desafios e oportunidades do uso do solo no CEB. Dentre os desafios prioritários estão a disponibilidade de informações e melhor qualificação de estudos; questões relacionadas ao manejo florestal comunitário e familiar, a formação e consolidação de redes, o binômio commodities x produção familiar e as atividades ilegais que ocorrem na região.

Já dentre as principais oportunidades foram elencadas recuperação / restauração florestal, a implementação das ferramentas do Código Florestal e a oportunidade de estabelecer mecanismos de governança no território, construção de políticas públicas / privadas.

Na fala que resumiu a visão das co-lideranças sobre o primeiro dia foram ressaltadas a qualidade e profundidade das contribuições, bem como a diversidade de visões e opiniões. Também citada a necessidade de ampliar o grupo envolvido para diversificar ainda mais as visões. Todos os ingredientes necessários para construções soluções e caminhos foram considerados dados e existe possibilidade desta iniciativa promover que um catalizador emerja das iniciativas já existentes.

Foi citada a necessidade de discutir mais a questão de governança, incluindo as políticas não-estatais, entender, falar mais para poder concretizar, materializar nas associações, grupos de trabalho.

Ressaltada também a importância de fortalecer o que está acontecendo no local, sendo o Diálogo do Uso do Solo um ambiente de integração, atentando para a questão de como subsidiar a iniciativa para que o trabalho seja de longo prazo. Lideranças e posicionamentos importantes tem vindo da região do CEB, como recentes manifestações públicas de Marcello Britto, Mauro Lucio e Walter Schalka.

Em consenso foi decido que sim, existe um caminho via Diálogo do Uso do Solo para endereçar os desafios da região. Foram citadas diversas oportunidades de colaboração, possíveis locais e parceiros de diálogo de campo. Devem ser trabalhadas ainda as sinergias com outros processos que abordam problemas semelhantes.

Foram deliberados como próximos passos:

  • Elaboração de um documento das co-lideranças contendo as principais discussões e resultados da reunião para divulgação, incluindo as questões-chave identificadas, incluindo a decisão de que existe um caminho baseado no diálogo para que haja progressos significativos para alcançar uma visão comum sobre uso do solo no contexto do CEB via Diálogo do Uso do Solo;
  • Mobilização de partes interessadas identificadas;
  • Realização de nova reunião para definir a possível formação de Fórum Florestal no CEB;
  • Definir territórios para realização de diálogo de campo.

 Finalmente, foi ressaltado que o Diálogo do Uso do Solo é um importante espaço de construção, oferece uma plataforma para ricas discussões e diversidade de opiniões, tem potencial de promover uma mudança real no território pelos atores com resultados efetivos.

Realizada pelo Diálogo Florestal em parceria com a Conservação Internacional Brasil e The Forest Dialogue, a reunião teve como co-líderes Beto Mesquita (Instituto BVRio), Bruno Coutinho (Conservação Internacional Brasil), Ivone Namikawa (co-líder da Iniciativa Diálogo do Uso do Solo no The Forests Dialogue, Klabin S.A), Marcelo Pereira (Suzano S.A), Mauro Armelin (Amigos da Terra Amazônia Brasileira) e Tulio Dias (Agropalma). Atuaram como facilitadoras Karoline Marques (Conservação Internacional Brasil) e Fernanda Rodrigues (Diálogo Florestal).

 

Participaram da reunião:

Alexandre Nagota – Biopalma
Bianca Silvestre – Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM)
Bruno Coutinho – Conservação Internacional Brasil
Carlos Alberto Mesquita – Instituto BVRio
Daniel da Costa Francez – Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio)
Diogo Bardal – International Finance Corporation (IFC)
Fernanda Rodrigues – Diálogo Florestal
Iaci Penteado- Conservação Internacional Brasil – base Belém
Ieda Fernandes – Associacao Brasileira De Produtores De Oleo De Palma (ABRAPALMA)
Ivone Namikawa – The Forests Dialogue  (TFD) / Klabin
Karoline Marques – Conservação Internacional Brasil – base Belém
Leandro Brasil – Universidade Federal do Pará (UFPA)
Leandro Juem – Universidade Federal do Pará (UFPA)
Liz Felker – The Forests Dialogue (TFD)
Luis Barbosa – Conservação Internacional Brasil – base Belém
Marcelo Pereira – Suzano S.A.
Marcos Silva – Observatório do Manejo Florestal Comunitário Familiar
Marlucia Martins – Museu Paraense Emílio Goeldi
Mauro Armelin – Amigos da Terra Amazônia Brasileira
Milton Kanashiro – Embrapa Amazônia Oriental
Pedro Burnier – Amigos da Terra Amazônia Brasileira
Roberto Porro – Embrapa Amazônia Oriental
Thiara Fernandes – Instituto Peabirú

 

Autora: Fernanda Rodrigues.